ONDE CAIBA
Eu quis acreditar no poeta de Monterrey* quando agiu. Mas os pragmáticos estão também no front, nos engarrafamentos e nas rabeiras do cansaço, com a gente. Coexistindo, co-entretendo, co-labutando, convivendo. E o que eles primeiro dispensam, é justo o nosso oxigênio. A cidade que sonham é muda, monocromática.
Tenho ensaiado a compreensão e a partilha do espaço. Parece oportuno dizer que o último quinquênio foi deles e, então, bater o pé, requerer a vez. Mas sei que aprendi qualquer coisa com a despacatização daldeia de onde vim, com a vivência na proliferação dos condomínios horizontais e, depois, dos verticais.
São didáticas as Fortalezas de lusitanos pega-ladrões, da mureta moderna com eletrochoque e das novas muralhas guarnecidas, guaritadas. Aqui na capital federal, no miolo, não temos muros. Não aqueles, certamente outros. Mas houve tempo, ouvi, em que as vizinhanças do plano arranjaram-se no co-criar dos rebentos uns dos outros, num dividir a vida. Não sei se confio de todo no relato saudoso. O caso é que lá no edifício onde vivi até mudar para cá, um certo síndico achou por bem não termos mais jardim. “Vamos selar tudo!” Havia infiltração no subsolo e um sujeito reclamou porque o carro largou a tinta da goteira. Também naquele tempo, subitamente perderam sentido os quadros no hall e das demais áreas comuns. E para quê as peças de decoração sobre as mesas? Profilaxia necessária contra o mau gosto, disseram.
Ingressamos (ou retroagimos) à dimensão frugal do minimalismo seguro em que as conversas de elevador tornassem ao acordo. Com aquela reforma, passamos um natal comendo poeira de cimento. Matriarcas àquele ano passaram sem receber os seus em suas casas, deprimiram. Como remédio, iluminamos as grades e um pinheiro que restava duro na queda. Todos sentimos no espírito a marca da filosofia pragmática. Dali, eu saí resoluto: a morte proseia na inexpressão. Digam qualquer causo ou coisa, mas falem. Enquanto estivermos dizendo roupas, versos, danças, jeitos, modas e demodas, estaremos bem.
Mas há ainda quem ponha dedo na cara, quem mande calar. É que não falei ainda de tolerância, aceitação temporária, suspensões dos desacordos com prazo de extinção. Isso não serve. A minha poesia nasce desse grito, que é revide aos ladrões de vozes. Mas no outro extremo, sou eu quem oprime e, marginal de outrora, agora assino as ordens de exílio. Quando da redemocratização do Chile, quiseram ouvir o que tinha a dizer um biólogo sobre o amor. E Humberto disse: é, para mim, algo mais banal do que pensam. É a aceitação do outro como legítimo outro e só estamos ainda aqui, porque o temos bem ou mal praticado. Algo assim. Tentando esse balanço, convivendo com o estúpido, o algoz e o neo-medieval, lutando a meu modo, faço o Gonzaguinha. Falei que ía soltar minha voz. Vejam, por favor, o que se pode fazer dela. Se há lugar onde caiba.
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"Sin poesia no hay ciudad"
Armando Alanis Pulido*
Os textos aqui reunidos são, grande parte, poemas publicados no blog Nas Contas das Costelas entre janeiro de 2012 e dezembro de 2013. Trouxe também alguns temas mais antigos (Réu primário, Autonomia de cacos, De pouco gosto) e mais recentes (À sua maneira) incluídos no projeto Declamai — uma setlist de registros em estúdio de poemas declamados, e que costumo carregar comigo para onde quer que a poesia encontre brecha nessa vida. Acompanham esses textos outros formatos que aqui e acolá arrisquei transitar: ilustrações digitais, postais da fanpage do blog, scans dos versos e dos desenhos originais à mão e, também, os poemas-pílula, feitos para engolir de um trago.
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